Profissão e a
Sociologia no Ensino Médio
Ronaldo Baltar
Caminhos da profissão do sociólogo e do professor de Sociologia
O mercado de
trabalho para os sociólogos e para professores de Sociologia é distinto, mas
compartilha problemas similares no Brasil. O primeiro problema está na
participação, em grande quantidade, de profissionais formados em outras áreas
nas vagas ofertadas para os formados em Sociologia ou Ciências Sociais. O
segundo problema está na origem da formação acadêmica, que não qualifica os profissionais
para atuarem no mercado de trabalho.
No Brasil, em
grande parte das Instituições de Ensino Superior, a formação começa na entrada
do estudante em um curso de Ciências Sociais ou de Sociologia. Os cursos de
Ciências Sociais abrigam também a formação em Antropologia e Ciência Política.
Cada universidade difere sobre o caminho a ser seguido por seus estudantes até
chegarem ao mercado de trabalho. Mas passarão por uma primeira escolha: a
licenciatura ou o bacharelado.
Enquanto os
licenciados buscam o mercado de trabalho de professores do ensino médio, os
bacharéis encontrar-se-ão em um mercado de trabalho mais difuso: o dos
profissionais da "Ciência e Intelectuais", segundo definição da
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Um número menor seguirá a formação
acadêmica na pós-graduação stricto sensu.
O professor universitário pós-graduado visa, em grande parte, o mercado de trabalho mais restrito das universidades públicas e algumas confessionais, isto é, religiosas, com perfil similar.
No entanto, a maior parte da carga horária, da estrutura disciplinar e dos incentivos aos alunos dos cursos de Sociologia, ainda que não explicitamente, está voltada para a formação do próprio professor universitário. Nesses casos, ainda permanece um desinteresse com o ensino médio e um desconhecimento em relação às atividades profissionais do sociólogo. Acredita-se que, formando o acadêmico de nível superior - o "pesquisador" -, forma-se também o sociólogo ou o professor de ensino médio, o que não é verdade necessariamente.
O mercado de
trabalho para o sociólogo
A profissão de
sociólogo está estabelecida na Lei n º 6.888, de 10 de dezembro de 1980. São
atividades do sociólogo o planejamento e a execução de pesquisas
socioeconômicas, culturais e organizacionais, o levantamento sistemático de
dados para subsidiar diagnósticos e a análise de programas em várias áreas
(educação, trabalho, promoção social e outros). Também são atividades do
sociólogo a assessoria e a prestação de consultorias a empresas, órgãos da
administração pública direta ou indireta, entidades e associações. Embora
existam esforços para a regulação da profissão, principalmente por parte da
Federação Nacional dos Sociólogos (FNS) e alguns sindicatos estaduais, ainda
não há uma delimitação efetiva para o campo de trabalho profissional do
sociólogo. O empenho da FNS para a criação do Conselho Nacional de Sociologia é
um passo importante para a regulação e fortalecimento da profissão.
As ofertas de emprego para sociólogo, dentro desse perfil profissional definido, são frequentes, mas não têm crescido nos últimos anos. As vagas são ofertadas principalmente por órgãos governamentais, empresas de consultoria e pesquisa, e organizações não-governamentais. Um exemplo pode ser ilustrado com o anúncio para contratação de sociólogo: Analista Socioambiental, vaga ofertada por uma empresa de Minas Gerais, com salário entre R$ 2.000,00 e R$ 3.000,00, para elaboração de relatórios socioeconômicos de projetos, levantamento e análise de dados e pesquisa de campo.
Um campo de trabalho não previsto inicialmente na definição do profissional, que também tem crescido, é o de Editor de Textos de Sociologia. Uma oferta de emprego, no estado de São Paulo, por exemplo, oferecia salário entre R$ 6.000,00 e R$ 7.000,00, para edição e produção editorial em obra didática de Ensino Médio referente à disciplina de Sociologia. Como normalmente acontece em outras profissões, essas são vagas que exigem experiência de trabalho comprovada.
De maneira geral, a caracterização do mercado de trabalho do sociólogo é difícil. São poucos os que, mesmo contratados para ao exercício específico da profissão, registram-se como sociólogos. Entre os que estão registrados, nem todos exercem as funções específicas definidas para o sociólogo.
De qualquer modo, tomando como parâmetro apenas os contratados como sociólogo (CBO 251120), segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (CAGED/MTE), entre janeiro e maio de 2013, foram contratados 30 profissionais em todo o Brasil, com média salarial de R$ 3.295,00. Entre julho e dezembro de 2012, foram 46 contratações em todo o país, com média salarial de R$ 2.849,00.
Se acrescentarmos os contratados como Pesquisador de Ciências Sociais e Humanas (CBO 203505), no Brasil, ocorreram 66 contratações nos primeiros meses de 2013, com salário médio de R$3.297,00. Entre julho e dezembro de 2012, um total de 106 contratos de trabalho foram assinados em todo o país, com média salarial de R$ 2.187,00. Somando tudo, entre julho de 2012 e maio de 2013, foram 248 contratações com média salarial de R$2.907,00. Como comparação, entre janeiro e maio de 2013, foram contratados, em todo o país, 475 economistas (CBO 251205), com média salarial de R$ 4.494,00, segundo os dados do CAGED/MTE.
Deve-se ter em
consideração também que o número de formados em Ciências Sociais/Sociologia é
bem menor do que o número de formados em Economia e de outras disciplinas
similares. Os dados disponíveis não permitem precisar a relação entre vagas
ofertadas e pessoal formado em Sociologia. Mas, como referência, de acordo com
os dados do Censo Populacional de 2010, do IBGE, do total de pessoas que
concluíram o ensino superior no Brasil, mais de 37% tinham o diploma de
Gerenciamento e Administração de Empresas. Outros 31% eram diplomados em
Ciências da Educação, seguidos de 25% de bacharéis de Direito. Os formados em
Economia ocupam o décimo lugar, com aproximadamente 6% do total. Os diplomados
em Sociologia (Sociologia e Estudos Culturais) representavam em torno 0,2% da
população com nível superior no Brasil.
O mercado de
trabalho para o sociólogo não é favorável aos iniciantes na carreira. De acordo
com os dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho
(RAIS/MTE) de 2010, o perfil do profissional contratado tem, em média, acima de
40 anos de idade e mais de 10 anos no emprego. O despreparo com que os jovens
sociólogos saem das universidades, em relação ao exercício da profissão, e a
falta de estágios efetivamente vinculados ao trabalho profissional do sociólogo
são fatores que agravam o problema.
O mercado de
trabalho do professor de Sociologia no Ensino Médio
A categoria
profissional dos professores é bem mais organizada e com perfil de trabalho
claramente delimitado. O licenciado em sociologia enquadra-se nesse campo
profissional. Do ponto de vista salarial, há uma diferença entre escolas
públicas e privadas. Para a rede pública, o Ministério da Educação (MEC)
estabeleceu, em 2013, um piso salarial de R$ 1.567,00. Vários estados não
cumprem o piso estabelecido pelo MEC, motivo de mobilização constante da
categoria em todo o Brasil.
Segundo dados do
CAGED/MTE, o salário médio para contratação de professor de Sociologia no
ensino médio fora da rede pública era de R$ 900,00 em maio de 2013. Como
comparação, no mesmo período, professores de Sociologia no ensino superior da
rede privada foram contratados, em média, por R$ 1.139,00.
O ensino de
Sociologia e de Filosofia foi banido da educação básica pelo regime militar,
por meio do Decreto Lei n. 869 de 1968. Essas disciplinas foram substituídas
por Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica.
Com o fim da ditadura, em algumas poucas universidades, docentes de Sociologia
empreenderam uma trabalhosa campanha pela retomada do ensino de Sociologia no
ensino básico. Desafiando o descrédito, fortaleceram cursos de licenciatura,
criaram laboratórios de ensino, projetos e linhas de pesquisa vinculadas à
prática docente de Sociologia.
Em maio de 2008, o
Congresso Nacional votou a alteração na Lei 9.394 de 1996, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), tornando novamente obrigatório o ensino de Sociologia
e Filosofia no Ensino Médio. Ainda, em 2008, a Secretaria de Educação Básica
Presencial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes) fez um levantamento sobre a necessidade de docentes para o ensino no
Brasil, constatando que seriam necessários 107.680 professores de Sociologia
para fazer cumprir a nova lei. Naquele ano, havia em todo o país 20.339
professores de Sociologia em exercício. O mercado de trabalho para professores
de Sociologia no Ensino Médio demandaria 87 mil novas vagas no país.
Assim como ocorre
com os bacharéis em Sociologia, o campo de atuação no ensino também é marcado
pela presença de outros profissionais no lugar dos licenciados em Ciências
Sociais/Sociologia. No mesmo estudo da CAPES de 2008, verificou-se que apenas
2.499 (pouco mais de 12%) dos 20.339 professores de Sociologia eram, de fato,
formados em Sociologia ou Ciências Sociais.
Entre 2003 e 2008,
a CAPES constatou que foram formados aproximadamente 14 mil licenciados em
Ciências Sociais/Sociologia no Brasil. Nesse ritmo, se não houvesse nenhum
aumento do número de turmas, seriam necessários mais de 30 anos para cobrir o
déficit de docentes em 2008, sem contar os 18 mil docentes de outras áreas que
ministravam turmas de Sociologia.
Tabela 1. Docentes que
ministram disciplina de Sociologia no Ensino Médio
|
Disciplina de Sociologia
|
||||
Professores
|
%
|
||||
Formados em
Ciências Sociais - Licenciatura?
|
Não
|
49.041
|
89,7%
|
||
Sim
|
5.613
|
10,3%
|
|||
Fonte: INEP,
Microdados do Censo Escolar – Docentes, 2012. Elaboração própria
Em 2012, analisando-se os microdados do Censo Escolar produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), havia 54.654 professores ministrando turmas de Sociologia no ensino básico. Os licenciados na área eram 10,3% do total. O número de docentes de Sociologia mais do que dobrou entre 2008 e 2012, mas a participação dos licenciados em Ciências Sociais/Sociologia reduziu-se.
As dez universidades que formaram o maior número entre os 5.613 professores de Sociologia licenciados na área foram as seguintes: Universidade Federal do Pará, PUC-Minas Gerais, Universidade Estadual de Vale do Acarau, Universidade Federal Fluminense, Universidade Estadual de Londrina, Universidade do Oeste Paulista, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru, Faculdade de Filosofia de Passos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de Santa Cruz do Sul.
Tabela 2. Turmas de
Sociologia por docentes formados em Ciências Sociais - Licenciatura por
Categoria, 2012
|
|||||
Categoria
|
Turmas de Sociologia
|
||||
Docentes com Licenciatura
em Ciências Sociais
|
Docentes formados em outros cursos
|
||||
Turmas
|
%
|
Turmas
|
%
|
||
Categorias de
Escola Privada
|
Escola Pública
|
48.311
|
20,0%
|
193.192
|
80,0%
|
Particular
|
4.530
|
15,8%
|
24.171
|
84,2%
|
|
Comunitária
|
33
|
10,4%
|
284
|
89,6%
|
|
Confessional
|
79
|
14,7%
|
457
|
85,3%
|
|
Filantrópica
|
733
|
13,7%
|
4.613
|
86,3%
|
|
Fonte: INEP.
Microdados Censo Escolar - Docentes, 2012. . Elaboração própria.
|
Os dez estados que
oferecem o maior número de turmas de Sociologia, com professores formados na
área, são Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará,
Santa Catarina e Distrito Federal.
Comparando-se o
número de turmas ofertadas em todas as escolas, observa-se que os professores
formados em Sociologia ministraram turmas de outras matérias. Segundo os dados
do Censo Escolar de 2012, ainda havia mais turmas ofertadas de Estudos Sociais
do que de Sociologia.
A defasagem entre o
número de turmas da disciplina de Sociologia ofertadas por professores formados
na área e não formados na área é maior nas escolas particulares. De maneira
geral, sendo, curiosamente, as escolas comunitárias e filantrópicas as que
menos contratam professores formados em Sociologia para ministrar a disciplina.
O mercado de
trabalho para os sociólogos e professores de Sociologia
Há um potencial
grande para a carreira de sociólogo no Brasil, tanto para o bacharel, quanto
para o licenciado. Há um ritmo constante de oferta de vagas para pesquisadores
com perfil profissional na área, não apenas no setor público, mas também em
empresas e organizações não-governamentais. O mercado de trabalho potencial
para os licenciados é muito maior do que o número de formados anualmente nas
universidades.
Mas ainda há
problemas sérios a serem enfrentados. Há o problema de ocupação do campo de
trabalho, majoritariamente exercido por profissionais de outras áreas. Há o
problema salarial, principalmente para o exercício da docência na rede privada
de ensino.
Há também o
problema da formação. Em grande parte das universidades, os cursos de Ciências
Sociais e Sociologia precisam reestruturar-se para ofertar uma formação direta
tanto para o sociólogo profissional, quanto para o professor de Sociologia. São
necessárias disciplinas voltadas para o perfil da profissão, como pesquisa
não-acadêmica, análise de dados, planejamento, organização de projetos sociais
entre outros tópicos. Para o bacharel, o estágio profissional deve ser
estruturado e acompanhado de perto por profissionais da área, para que se possa
apresentar uma alternativa às barreiras para a entrada do jovem sociólogo no
mercado profissional. Mais do que isso, é necessário encarar a formação do
sociólogo e do professor de Sociologia no Ensino Médio em pé de igualdade com a
formação do professor universitário, muito mais incentivada e valorizada pelo
sistema acadêmico de avaliações.
Ronaldo Baltar é professor
do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina.
E-mail: baltar@uel.br
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